Como é caracterizada a doença? (Tipo, causas, sintomas e comorbidade)
Como é caracterizada a doença? (Tipo, causas, sintomas e comorbidade) A DP é uma doença neurodegenerativa marcada por um distúrbio de movimento hipocinético pro eminente, que é causada pela perda de neurônios dopaminérgicos de substância nigra. A síndro me clínica de parkinsonismo combina expressão facial diminuída (frequentemente denominada fácies mascarada), postura curvada, retardamento do movimento voluntário, marcha festinante (passos acelerados, progressivamente reduzidos), rigidez, e um tremor tipo “rolar pílulas”. Esse tipo de perturbação motora é observado em inúmeras condições que têm em comum o dano do sistema dopaminérgico nigroestriatal. Várias doenças neurodegenerativas incluem sintomas de parkinsonismo. Além disso, sintomas semelhantes podem ser induzidos farmacologicamente por antagonistas dopaminérgicos ou por toxinas que danificam seletivamente o sistema dopaminér gico. A doença degenerativa principal, que envolve o sistema nigrostriatal, é a DP. O diagnóstico presumível da DP pode basear-se na presença da tríade central do parkinsonismo — tremor, rigidez e bradicinesia — na ausência de uma etiologia tóxica ou outra etiologia subjacente conhecida. Essa impressão é confirmada pela resposta sintomática à terapia de reposição de L-DOPA. Embora o diagnóstico da DP seja baseado em grande parte na presença dos sintomas motores, que refletem a inervação dopaminérgica do corpo estriado diminuída, há uma clara evidência de que a doença não está restrita aos neurônios dopaminérgicos ou ao gânglio basal; de fato, há evidências de investigações patológicas de que a degeneração da substância negra (que resulta nos sintomas motores) representa uma fase intermediária de uma doença progressiva que começa inferior ao tronco cerebral e pode eventualmente progredir para envolver o córtex cerebral, conduzindo ao comprometimento cognitivo. Os neurônios dopaminérgicos da substância negra se projetam para o estriado, e sua degeneração na DP é associada à redução do conteúdo de dopamina no estriado. A gravidade da síndrome motora é proporcional à deficiência de dopamina, que pode, ao menos em parte, ser corrigida pela reposição com L-DOPA (o precursor imediato da dopamina).
O tratamento atual, no entanto, não reverte as alterações morfológicas ou detém a progressão da doença. Além disso, com a progressão, a terapia medicamentosa tende a se tornar menos efetiva e os sintomas se tornam de manejo mais difícil.
Qual a prevalência (e impacto) dessa doença no Brasil e no mundo?
A doença ocorre mundialmente, afetando indivíduos de ambos os sexos, independente de raça ou classe social. Ela acomete mais pessoas com idade avançada, com início do quadro clínico geral mente entre os 50 e 70 anos de idade, apesar de ser rara a incidência mais precoce. Portanto, a DP é universal, com prevalência muito elevada: no planeta, são mais de dez milhões de pacientes. Em nosso país, o número de portadores chega a trezentos mil pessoas. De acordo com um estudo em que se entrevistou o impacto da doença na vida desses indivíduos, os mesmos relataram que sentiram uma maior dificuldade em realizar atividades como se vestir/despir, se alimentar, deambular. Além disso, referem uma menor autoestima, pelo estigma presente na sociedade em relação aos sintomas da doença e também uma maior dificuldade em se comunicar.
Quais medicações são usadas nessa doença?
Ação | Exemplos do medicamento |
Levodopa | Prolopa, Sinemet, Madopar |
Anticolinérgicos | Akineton (Biperideno) Gentin (Benzatropina) Artane (Triexifenidil) Kemadrin (Prociclidina) |
Amantadina | Mantidan |
Inibidores da Monoamino Oxidase B | Niar, Deprilan (Seleginina) |
Inibidores catecol-O-metil transferase | Tasmar (Tolcapona) Comtan (Entacapona) |
Agonistas dopaminérgicos | Permax (Pergolida) Parlodel (Bromocriptina) Mirapex (Pramipexol) Requip (Ropinirol) |
Quais os efeitos colaterais e limitações do tratamento atual?
Infelizmente, ainda não há medicamentos que são capazes de interromper a evolução da doença e nem de evitá-la; os tratamentos que existem têm como objetivo controlar os sintomas com a meta de manter o portador com autonomia, independência funcional e equilíbrio psicológico, sendo alcançado através da reposição de dopamina estriatal. Sendo assim, o uso de levodopa é a terapia medicamentosa, atualmente, mais recomendada para pacientes que sofrem com a Doença de Parkinson, com o controle satisfatório dos sintomas. Entretanto, à medida que a doença vai progredindo, é necessário aumentar a dose do medicamento e diminuir o intervalo das suas tomadas. Apesar do levodopa permanecer como um recurso de primeira linha no tratamento dessa doença, em longo prazo surgem algumas limitações ao seu uso, representadas por perda da eficácia, flutuações do desempenho motor e alterações mentais. Com isso, comumente, é necessário associar outros medicamentos para potencializar a ação da levodopa ou para evitar/diminuir os efeitos colaterais, como náuseas, vômitos e arritmias cardíacas. Quando o portador dessa doença não está mais responsivo a essa farmacoterapia, uma opção do tratamento é o neurocirúrgico, em que é utilizado, como a talamotomia ou palidotomia. Além disso, uma outra técnica neurocirúrgica que se é utilizada é a estimulação cerebral crônica aplicada no tálamo, globo pálido ou núcleo sub talâmico, possuindo a vantagem de ser reversível, podendo ser revertida se ocorrer manifestações adversas.
Quais evidências do tratamento com cannabis nessa doença (sintomas e comorbidades)? (es tudos em células/animais e humanos)
Estudos realizados em animais
No estudo de VAN VLIET et al. (2008), realizado com 9 saguis (Callitrix jacchus), foi aplicado uma dose de 6,0 a 8,75mg/kg subcutânea de 1-metil-1,2,3,6-tetrahidropiridina (MPTP) num período de 10 dias até a indução e estabilização dos sintomas parkinsonianos e, após isso, receberam Δ⁹-THC em dose única oral de 4 mg/kg. Foi observado melhora de locomoção e coordenação mediante o uso desta substância. Já no estudo de GARCÍA et al. (2011), ratos Sprague-Dawley foram lesionados com 6-hidroxidopamina e com lipopolissacarídeo para indução de modelo de doença de Parkinson e após receberam 2 mg/ kg/dia por 14 dias de Δ⁹-THC. Os animais foram avaliados quanto aos comportamentos de antinocicepção (teste da placa quente), locomoção (actímetro assistido por computador), além das dosagens de dopamina e glutamato (imunohistoquímica). A administração do Δ⁹-THC na dose de 2mg/kg inibiu os efeitos comportamentais induzidos por um potente agonista canabinóide (CP55.940), sugerindo que o mesmo possa atuar como antagonista CB1.
Além disso foi observado neuroproteção dos neurônios dopaminérgicos nos ratos por sua ação antioxidante, e aumento dos níveis de glutamato no núcleo estriado, provavelmente pelo bloqueio do receptor CB1.
Estudos realizados em células
Nos estudos realizados em células que avaliaram terapias derivadas de canabinoides no tratamen to da doença de Parkinson, destaca-se o artigo de CARROLL et al. (2012) onde células humanas SH-SY5Y, derivadas de neuroblastoma, foram tratadas com neurotoxinas para simular os efeitos da DP. Neste estudo observou-se uma ação neuroprotetora, antioxidante e antiapoptótica após a administração de Δ⁹-THC. Os autores demonstraram que a infusão de neurotoxinas em cultivo celular produz um aumento na expressão de receptores CB1. Porém, quando foi infundido um agonista CB1 para bloquear estes efeitos ou mesmo um antagonista CB1 para reproduzir estes efeitos, os mesmos não tiveram êxito. Isto sugere que o efeito neuroprotetor do Δ⁹-THC pode ser mediado por outra via. Finalmente, este mesmo estudo mostrou um aumento da expressão de receptores gama ativados por proliferador de peroxissoma (PPAR gama), e este efeito foi inibido quando os pesquisadores associaram um antagonista PPAR gama. Assim, esse resultado sugere a participação desta via no efeito neuroprotetor do Δ⁹-THC.
Em contrapartida, NGUYEN et al. (2016)47 realizaram experimentos utilizando cultivo de células do mesencéfalo de ratos OF1/SPF coletadas no décimo quarto dia de gestação. No 12º dia de in cubação, diferentes concentrações de Δ⁹-THC (0,1; 1 e 10uM) foram adicionadas com glutamato 30uM, ou sem o mesmo, e mantidas posteriormente a 37 ºC por 48h. Os autores demonstraram um efeito neuroprotetor e antiapoptótico do Δ⁹-THCinduzidos pelo glutamato. Este efeito foi ini bido pela adição de um antagonista de receptor CB1, sugerindo que esta via possa estar associada aos efeitos neuroprotetivos do Δ⁹-THC.
Já na análise de SANTOS et al. (2015)48, no qual amostras de células PC12 com toxicidade induzida por MMP+ foram expostas a diferentes concentrações de CBD por 24 horas, e posteriormente, foram analisadas acerca da neurogênese, receptores de NGF e proteínas neurais. Os resultados revelaram que o uso de CBD aumentou a viabilidade e diferenciação celular e a expressão de proteínas axonais e sinápticas. Apesar de não ter aumentado a expressão do fator de crescimento de nervos NGF (do inglês: nerve grown fator – NGF), o CBD apresentou efeito protetor contra morte celular e perda neuronal mesmo diante dos efeitos tóxicos induzidos pela metaloproteinase de matriz, molécula ativa na DP. A pesquisa ainda sugere que o CBD apresenta efeito neurorestaurador independente do NGF, fator que pode contribuir para ação protetora contra MPP+. Estudos realizados em humanos sobre a Doença de Parkinson.
Em um ensaio exploratório duplo-cego, 21 pacientes diagnosticados com DP receberam 75 mg/ dia ou 300 mg/dia de CBD por 6 semanas. Os pacientes que receberam a maior dose relataram melhora no bem-estar emocional e na mobilidade, embora não tenha havido melhora nos sinto mas motores.
ZUARDI et al. (2008), realizaram um estudo piloto aberto, no qual foram avaliados 6 pacientes (58,8 ± 14,9 anos de idade) com diagnóstico de DP (10,6 ± 3,7 anos de tempo de diagnóstico), com manifestação de psicose há pelo menos 3 meses, sem melhora com a redução dos antiparkinso nianos até o início do estudo. Como critérios de exclusão os autores usaram: diagnóstico primá rio de desordem psicótica ou desordens neurológicas e/ou psiquiátricas, parkinsonismo atípico, e presença de demência ou exacerbação de sintomas motores com necessidade de aumento de doses dos antiparkinsonianos. Os pacientes selecionados foram tratados inicialmente com 150 mg/dia de CBD seguido por dose flexível (150 – 400 mg/dia) de acordo com a resposta clínica, por 4 semanas. A resposta ao tratamento proposto foi analisada através da aplicação de diferentes questionários aos participantes (Bech’s version of the Brief Psychiatric Rating Scale, Parkinson Psychosis Questionnaire, Unified Parkinson’s Disease Rating Scale, Clinical Global Impression – Impro vement scale, MiniMental Status Examination, Frontal Assessment Batery). Os resultados foram comparados por meio de testes não paramétricos de Friedman e teste de Wilcoxon Signed. Os resultados mostraram melhora significativa dos sintomas psicóticos, ausência de piora na função motora e nas habilidades cognitivas, evidenciando assim um outro benefício do uso do CBD nas complicações da evolução da doença do Parkinson, tais como a psicose.
CHAGAS et al. (2014) avaliaram o uso de CBD para o tratamento dos transtornos de comporta mento do sono REM em pacientes portadores de DP. Durante 6 semanas os pacientes receberam doses diárias de CBD (75 mg/dia ou 300 mg/dia) e, posteriormente, foram avaliados quanto aos sintomas durante o sono REM, tais como falas, gritos e gestos, além da polissonografia. A pesquisa revelou melhora imediata desses sintomas durante o uso do medicamento, reduzindo a frequên cia dos episódios relacionados aos distúrbios de comportamento do sono REM, os quais retorna ram após interrupção de CBD.
Um estudo retrospectivo realizado por VENDEROVÁ et al. (2004) avaliou as possíveis experiências do uso da Cannabis (frequência, regularidade, tempo, qual parte da planta foi usada) e os possíveis efeitos terapêuticos da substância nos sintomas motores da doença de Parkinson, como rigidez muscular e bradicinesia, além da melhora da discinesia induzidas pela levodopa, quando a mesma foi reportada. O estudo avaliou 339 pacientes com diagnóstico de DP, que faziam uso de diferentes tratamentos antiparkinsonianos, através de um questionário modificado a partir de Consroe and colleagues. Antes da realização do questionário foi primeiramente explicado aos pacientes o signi ficado de rigidez muscular, bradicinesia e discinesia. Em seguida os pacientes deveriam preencher o questionário respondendo os dados pessoais, os dados sobre o uso de Cannabis, e avaliar se houve mudança na intensidade de cada sintoma com o uso da planta de acordo com uma escala (melhora substancial, melhora intermediária, sem alterações, piora moderada, piora substancial ou não conseguiu optar).Os resultados revelaram que 25,1% faziam uso da Cannabis predominan temente por via oral, pelo menos uma vez ao dia, sem conhecimento prévio de como usar. Estes pacientes referiram fazer o uso por conta própria utilizando as folhas frescas ou secas da planta. Após o uso da Cannabis 45,9 % descreveram uma melhora moderada ou substancial dos sintomas gerais da DP, 30,6% relataram uma melhora no tremor de repouso, 44,7% relataram alívio da bradicinesia, 37,7% alívio da rigidez muscular e 14,1% na melhora da discinesia induzida por levodo pa. Outra variável analisada foi a dosagem de metabólito urinário em sete pacientes que faziam uso crônico da Cannabis há alguns meses. Este resultado mostrou que somente os pacientes que tiveram níveis do metabólito urinário acima de 50 ng/mL reportaram através do questionário me lhora na bradicinesia e/ou rigidez.
Resumo de como a cannabis pode ajudar.
De acordos com estudos, há evidências de possíveis benefícios do uso de Δ⁹-THC e CBD para a DP. Foi observado, a nível celular, ação neuroprotetora, antioxidante, antiapoptótica, e aumento da diferenciação celular e da expressão de proteínas axonais e sinápticas, além de apresentar efeito neurorestaurador independente do NGF, que pode contribuir para ação protetora contra MPP+. Em animais, houve relato de restituição de déficits social e do reconhecimento de objetos, e modificação na composição das placas beta-amiloides. Já em humanos, observou melhora no bem-estar emocional, mobilidade, sintomas psicóticos e no sono REM, sem haver relato de mais efeitos adversos no uso dessas substâncias, comparado ao placebo. Portanto, os resultados dos estudos mostram um possível potencial de aplicabilidade terapêutica dos derivados da Cannabis em pacientes acometidos com DP. Porém, exalta-se a necessidade de novas pesquisas com acom panhamento a longo prazo dos pacientes, bem como para avaliar os efeitos e a segurança do uso dessas substâncias em doses maiores.
Referências
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CAMPOS, Daniela. O impacto da Doença de Parkinson na Qualidade de Vida dos doentes. Disponível em < https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/4317/3/PROJETO.pdf>, acessado em 01/04/2021.
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CAMARGO FILHO, et al. Canabinoides como uma nova opção terapêutica nas doenças de Parkin son e de Alzheimer: uma revisão de literatura.
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