CBD e a Doença de Alzheimer

Introdução 

A Doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa que apresenta  uma síndrome demencial, caracterizada por um declínio cognitivo e prejuízo de  funcionalidade, reduzindo as capacidades sociais e laborais daqueles que são afetados.  

A doença foi descrita por Alois Alzheimer, em 1906, em uma paciente de 51 anos  através do diagnóstico clínico. Após a morte da paciente, ele examinou o cérebro da  mesma e identificou modificações que caracterizam a doença hoje em dia. 

Podemos identificar e classificar a DA em três estágios clínicos diferentes:
● Leve: perda de memória a curto prazo, déficits sutis na aprendizagem e  comunicação; desorientação espacial 

● Moderado: declínio da memória; prejuízo em realizar tarefas diárias e no  controle emocional 

● Grave: comprometimento severo das habilidades cognitivas, fala  gravemente prejudicada, incapacidade de reconhecer pessoas  familiares, perda de controle sobre o funcionamento do corpo. 

E em dois tipos:  

● Precoce: quando ocorre em pessoas com 40 anos a 50 anos. 

● Tardio: quando ocorre em pessoas acima dos 65 anos, que é o tipo mais  comum 

Além disso, ela se apresenta nas formas: 

● Esporádica: a mais comum, de caráter poligênico, com forte relação com  o gene APOE.  

● Familiar: autossômica dominante, associado aos genes APP, PSEN1 e  PSEN2.

Epidemiologia 

A DA é a causa mais comum de demência, com cerca de 40 milhões de pessoas  afetadas pelo mundo atualmente, e a estimativa é que 1 a cada 85 pessoas tenha a  doença em 2050. No Brasil, há cerca de 1,2 milhões de casos, sendo a maior parte sem  diagnóstico. A progressão da doença aumenta de forma exponencial com a idade,  dobrando a cada 5 anos de vida em pacientes com mais de 60 anos.  

É a principal causa de morbidade e mortalidade na população idosa, sendo  fatores de risco doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, hiperpidemia,  tabagismo, idade, sexo, baixa escolaridade, depressão e alteraçãos genéticas. A maior  parte dos casos ocorre de forma esporádica e apenas 5% é hereditário oriundos de  mutações autossômicas dominantes. 

Fisiopatologia 

Os principais achados da fisiopatologia da DA é o acúmulo progressivo de duas  proteínas, a beta amilóide e a tau. O peptídeo beta amilóide se acumula na parte  extracelular e então se formam placas amilóides, principalmente nas regiões do  hipocampo, amígdala e neocórtex. Já a proteína Tau, o acúmulo é intracelular, o que  forma emaranhados neurofibrilares.  

Tanto as placas quanto os emaranhados parecem contribuir para a disfunção  neural, demonstrando perda da ligação sináptica e atrofia cerebral. Além disso,  desencadeiam uma resposta inflamatória da microglia e dos astrócitos, levando a  ativação de cascastas inflamatórias e consequente lesão oxidativa 

O aparecimento do beta amilóide é um crítico iniciador para o desenvolvimento  da DA. O depósito de tau aparece em degenerações lobares frontotemporais, paralisia  supranuclear progressiva e degeneração corticobasal, sem que ocorra o depósito de  beta amilóide. Ou seja, apenas o depósito anormal de tau no cérebro não é um estímulo  suficiente para deposição de beta amiloide. 

Os fatores responsáveis pelo surgimento da DA esporádica ainda não foram bem  elucidados, entretanto tem-se fortes evidências de que a presença do genótipo da  Apolipoproteína E (APOE) está relacionado com o surgimento da doença. Já a DA  familiar é causada por mutações da proteína precursora de amilóide (APP) ou em genes  que codificam presenilina 1 e 2 (PSEN1 e PSEN2), responsáveis pelo processamento  de APP. Essas enzimas possibilitam a atividade da g-secretase, que faz a clivagem de  APP em peptídeos b-amilóides. Mutações em PSEN1 e/ou PSEN2 causa a mais comum  e agressiva forma da DA familiar. Na via amiloidogênica, há clivagem em dois passos  do APP: b-secretase e g-secretase, resultando na produção de beta amiloides.  Mutações em APP ou nas enzimas do seu processamento levam a super produção de beta amilóide, o que resulta na deposição e formação das placas amilóides.  

A neurodegeneração induzida por beta amiloides também se relaciona com os  níveis elevados de glutamato, na perda de neurônios colinérgicos em áreas do cérebro relevantes para processamento de memória e a diminuição da acetilcolina, além de  induzir estresse oxidativo. 

Quadro clínico 

Deve-se analisar no paciente se o mesmo apresenta dificuldades em mais de  um domínio cognitivo. Apresentar déficit na memória é um indicativo obrigatório para o  diagnóstico da doença, e em geral, a perda é episódica recente. Outros indicativos  cognitivos seriam: orientação tempo-espacial, linguagem, função executiva, praxia,  velocidade de pensamento, função visuoespacial. 

Ademais, o paciente pode apresentar outras comorbidades como depressão,  apatia, irritabilidade e anosognosia, que é quando o paciente perde a noção do próprio  estado da doença, alterações comportamentais e agitação psicomotora.  

Diagnóstico 

Para concluir o diagnóstico, deve-se analisar as alterações cognitivas, comportamentais e funcionais, excluindo outras causas, como por exemplo a  pseudodemência derivada da depressão, o diagnóstico é essencialmente clínico. De primeira estratégia, aplica-se o Mini  Exame do Estado Mental (MEEM), além da fluência verbal, teste do desenho do relógio  e o Montreal Cognitive Assessment (MoCA), para pacientes com alta cognição.  

Os exames complementares incluem tomografia, para eliminar formas  reversíveis de demência como no tumor cerebral, exames de função tireoidiana,  vitamina B12, ácido fólico, sífilis e HIV, e a ressonância magnética, o mais indicado pois  fornece mais informações precisas da DA. Na ressonância, é possível analisar uma  atrofia cortical predominante nos lobos temporal e parietal, além da dilatação dos  ventrículos laterais e alargamento dos sulcos corticais temporais. Por fim, também pode se coletar o líquor para analisar o nível de beta amilóide (apresenta-se baixo) e de  proteína tau (apresenta-se alto). 

Tratamentos Convencionais 

O tratamento não farmacológico da DA consiste em motivar o contato social,  exercícios físicos, atividades produtivas e criativas. 

Já no tratamento farmacológico, as intervenções com agentes neuroprotetores  ajudam no retardo da progressão da doença nos estágios iniciais, com objetivo de evitar  os sintomas. A mesma lógica é aplicada nos casos leve e moderado, para retardar e  amenizar os sintomas, e nos casos graves, aliviar sintomas.  

Devido a complexa patologia da DA, não se tem um tratamento capaz de reverter  ou parar a progressão da doença, apenas tratamentos combinados que visam aliviar  certos sintomas. Os tratamentos mais utilizados atualmente são:

a) Inibidores de acetilcolinesterase: donepezil, galantamina, rivastigmina 

São utilizados para aumentar o tônus colinérgico, melhorando o desempenho  cognitivo apenas em pacientes com DA moderado ou leve, sendo o tratamento de curto  prazo (de 1 a 5 anos). Os efeitos colaterais incluem diarreia, vômito, insônia, fadiga e  tontura. 

b) Antagonistas dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA); memantina 

A memantina é o único composto anti-glutamatérgico aprovado para o  tratamento da DA. Ele reduz a neurodegeneração excitotóxica do glutamato, não tendo  efeito sobre a função cognitiva, mas melhora a qualidade de vida diária nos estágios  moderado e grave da doença. 

c) Drogas anti-inflamatórias 

AINEs têm sido utilizados para tratar a neuroinflamação. Alguns estudos  apontam que esses remédios oferecem alguma proteção contra a AD, entretanto,  apenas até certo ponto e se o tratamento começar anos antes dos primeiros sintomas  de demência. 

Os mecanismos de ação do CBD na Doença de Alzheimer 

O CBD possui propriedades neuroprotetoras, antiinflamatórias e antioxidantes,  além de inibir a expressão de FAAH. Em estudos in vitro, o CBD mostrou propriedades  antioxidantes e ofereceu neuroproteção contra neurotoxicidade do glutamato através de  mecanismos independentes dos receptores canabinóides (CB1 e CB2). Também,  protege a neurodegeneração nas regiões cortical, hipocampal e entorrinal, como mostra  o estudo de Carol Hamelink, feito em animais. Em estudo in vivo, o CBD reduziu a  produção de IFN-g e liberação de TNF-alfa, e suprimiu a proliferação de linfócitos e  reações de oxigênio, como mostra o estudo de AM Malfait. 

O CBD também inibiu efetivamente a migração de microglia e reduziu os níveis  de peróxido de lípido, como mostra o estudo de Costa e Trovano. Um estudo de 2011  feito pelos pesquisadores australianos Tim Karl e Carl Group mostrou que o CBD  promove o crescimento e desenvolvimento de células cerebrais, que mostraram reduzir  o declínio da memória e de outras funções cerebrais. 

Outro estudo de Tim Karl e Georgia Watt demonstrou que o uso crônico de CBD  reverteu os déficits comportamentais no reconhecimento social, memória de ação e  aprendizagem espacial reversa em modelo murino. Além disso, o CBD teve efeito  moderado nos níveis de beta amilóide no hipocampo de camundongos. 

Em uma revisão de nove estudos sobre o efeito do CBD no DA, o pesquisador  sul coreano Seok Him Kim confirmou que o CBD ativou o receptor-gama ativado por  PPARγ, protegendo as células da neurotoxicidade do beta amilóide e do estresse oxidativo, aumentando a sobrevivência celular e reduzindo as espécies reativas de  oxigênio, além de inibir a hiperfosforilação da proteína tau. Também, inibe a AChe e  estimula a neurogênese no hipocampo.  

Todos esses resultados e pesquisas indicam que os componentes do CBD  podem ser úteis para tratar e prevenir a DA, visto que o mesmo pode suprimir os  principais fatores que causam a DA. 

Estudos em células com o uso de canabinóides  

Um estudo espanhol realizado por Martín Moreno mostrou que o CBD é capaz  de modular a função microglial in vitro e induzir efeitos benéficos in vivo em um modelo  de DA. Seus mecanismos incluem a inibição de geração de óxido nítrico, promoção da  migração de células da micróglia e prevenção do dano cognitivo nos animais. Ainda  sobre o CBD, Libro, na Itália, mostrou que o mesmo levou a baixa na regulação de genes  ligados à AD em células estaminais mesenquimais, incluindo genes codificadores de  quinases responsáveis pela fosforilação de tau e secretases envolvidas na geração de  beta amilase. Além disso, o CBD inibiu a expressão do gene GSK3β, responsável pela  sinalização de PI3K/Akt. Já Scuder, também na Itália, descobriu que o CBD é capaz de  reduzir a expressão de APP e, consequentemente, de beta amiloide, pois ativa  seletivamente a PPARγ. Então, há diminuição de APP e redução de beta amiloide. 

Em relação ao THC, Cao, nos Estados Unidos, pelo método de imuno histoquímica, demonstrou que esse canabinóide tem efeito anti beta amiloide e sua ação  aumenta com o tempo de tratamento. Observou-se que a dose de THC necessária para  reduzir a concentração de beta amiloides é menor do que a dose de cafeína, estando  bem abaixo da dose tóxica. Também, o THC diminui a agregação dessas proteínas.  

Estudos em animais com o uso de canabinóides  

De volta a Espanha, Aso demonstrou em estudo murino que quando  administrado THC e CBD em estado precoce de demência, há benefícios para a  memória. Entretanto, concluiu-se que ratos jovens respondem diferentemente ao  tratamento comparados aos ratos mais velhos. O tratamento crônico com THC e CBD  não demonstrou mudança significativa nos depósitos de proteínas beta amiloides em  ratos com a doença no estado avançado, ao contrário do que foi percebido em ratos nos  estágios iniciais da mesma. Em outro estudo, o pesquisador indicou a relação entre os  receptores CB2 e o processamento de beta amiloides. Também, Aso em outro estudo  observou uma redução na astrogliose, microgliose e moléculas anti-inflamatórias nos  ratos tratados; esses resultados foram mais importantes com a combinação do  tratamento de THC+CBD do que no uso das substâncias isoladas.  
Já na Austrália, dois estudos realizados por Cheng mostraram que o uso de CBD  reverteu os déficits sociais e reconhecimento de objetos, sem afetar o medo associado,  comportamento de memória ou ansiedade. 

Estudos em pacientes com o uso de canabinóides 

Van Den Elsen, na Holanda, realizou um ensaio de crossover repetido  randomizado, duplocego, controlado por placebo com 20 pacientes diagnosticados com  DA com condições neuropsiquiátricas relevantes, utilizando apenas THC. Ele observou  que o efeito do THC comparado com o placebo na escala de NPI (Neuropsychiatric  Inventory Scale) não alterou os sintomas neuropsiquiátricos. Entretanto, o tratamento  demonstrou boa tolerância para o uso de THC em pacientes com demência. Em outro  estudo, randomizado, duplocego e controlado por placebo, com 50 pacientes  diagnosticados com DA, observou-se que o uso de 4,5mg diárias de THC demonstrou  não ter benefício nos sintomas neuropsiquiátricos. Não houve melhora significativa na  pontuação de agitação, qualidade de vida e atividade de vida diária. Novamente e  entretanto, demonstrou que o THC foi bem tolerado, permitindo o estudo com doses  mais elevadas. Por fim, em outro estudo de fase II, randomizado, duplocego e cruzado  com 18 pacientes com diagnóstico provável de demência do tipo Alzheimer, vascular ou  mista, clinicamente relevante, e sintomas neuropsiquiátricos estáveis, o pesquisador  observou que o THC aumentou significativamente a oscilação durante o repouso com  olhos fechados, mas não com olhos abertos. Ademais, aumentou o comprimento do  passo e a oscilação do tronco durante a marcha em velocidade preferida. Não ocorreram  quedas após a administração do THC e não foram observadas diferenças no número e  tipo de efeitos adversos. Concluiu que 3 mg diárias de THC tem efeito adversos  benignos quanto à mobilidade e foi bem tolerado nos pacientes com demência

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