Transtornos ansiosos e a Cannabis

INTRODUÇÃO 

Medo e ansiedade são respostas adaptativas essenciais para enfrentar as ameaças e garantir  a sobrevivência. No entanto, o medo excessivo ou persistente pode ser mal adaptativo, levando à  deficiência. O que determina os transtornos de ansiedade é a experiência de um sentimento de  ansiedade crônico e intenso, uma sensação de medo do que pode acontecer no futuro, inquietação interna e lembranças apegadas ao passado. Esses sintomas são normalmente acompanhado  de sintomas físicos e estão presentes em vários transtornos neuropsiquiátricos, como transtorno  de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de pânico (TP), transtorno de estresse pós-traumá tico (PTSD), transtorno de ansiedade social (SAD) e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Vale  ressaltar que o PTSD e o TOC não são mais classificados como transtornos de ansiedade na revi são recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-5 (DSM-5); contudo, a  ansiedade excessiva é central para a sintomatologia de ambos desordens. As pessoas que sofrem  desses transtornos fazem o possível para evitar essas situações de gatilho, podendo prejudicar sua  sensação de bem-estar, levar a taxas elevadas de desemprego e rompimento de relacionamento,  além do risco elevado de suicídio.  

EPIDEMIOLOGIA 

Os transtornos ansiosos têm a segunda mais prevalência entre os transtornos psicológicos,  atrás apenas dos transtornos por drogas. São mais frequentes em adultos, sendo mais comum em  mulheres. Estão associados principalmente com condições socioeconômicas e uso de drogas. A  prevalência ao longo da vida é de 28,8% e uma prevalência global de 12 meses de 18,1 %. De todos  os casos de prevalência de 12 meses, quase 23% são classificados como graves. A porcentagem de  pessoas que relatam prevalência na vida entre todos os transtornos de ansiedade é mais alta entre  as idades de 30 e 44 anos, com uma queda acentuada para 15,3% entre pessoas com mais de 60  anos. No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram pelo menos algum transtorno de ansiedade e/ou fobias, nos últimos 12 meses, em 18,8 a 20,8% da  população e pelo menos uma vez na vida em 27,7 a 30,8%. 

ETIOLOGIA 

Podemos dividir as síndromes ansiosas em quatro principais etiologias: 

a) Transtorno de pânico: Crises de ansiedade abruptas, autolimitadas, ataques de pâ nico recorrentes sem fatores desencadeantes. Está associado a sintomas físicos e psíquicos,  como despersonalização, medo de morrer, paresias, sensação de falta de ar. 

agorafobia: pode ser um especificador do transtorno de pânico ou uma doença a par te. Caracteriza por um medo intenso de espaços abertos demais, locais fechados, transporte  público, eventos sociais em geral. 

b) Fobia específica: medo de algo específico, como algum animal, objeto, situação.  Esse medo causa prejuízo em sua qualidade de vida, é intenso e persistente, por no mínimo  6 meses.  

c) Fobia social: medo de exposição e julgamento, evitando situações de exposições  sociais em que possa ser exposto a avaliação do outro. Tais situações são evitadas ou supor tadas com muito sofrimento. 

d) Transtorno de ansiedade generalizada: ansiedade geral, onde a pessoa sente ansie dade em diferentes setores da vida cotidiana. É um quadro crônico, que ocorre na maioria  dos dias, por no mínimo 6 meses. Está associado com sintomas físicos e insônia 

FISIOPATOLOGIA 

As respostas ansiosas são organizadas por sistemas cerebrais distintos. Um circuito defensi vo, responsivo às ameaças inatas, inclui a amígdala, o hipotálamo medial e o dorso periaquedutal  cinza (dPC). Outro circuito importante está relacionado às reações aversivas, que ocorre no núcleo  lateral da amígdala, que se projeta para o núcleo central da amígdala por vias diretas ou indire tas, enviando para o dPC e outras estruturas que levam a mudanças no comportamento oral e  autonômicas associadas ao condicionamento do medo. Esses sistemas são regulados pelo córtex  pré-frontal e no hipocampo.  

Outra estrutura associada à defesa das respostas é o núcleo leito da estria terminal. Ele re cebe informações do núcleo central e basolateral da amígdala e desempenha papel importante  nas respostas de ansiedade.

Em suma, a ansiedade é causada pela estimulação do sistema nervoso simpático, com o  núcleo central da amígdala recebendo respostas do tálamo, projetando essa resposta para várias  áreas do corpo. Assim, ocorre a ativação de respostas autonômicas, neuroendócrinas, cognitivas  e motores. 

TRATAMENTO ATUAL 

Não farmacológico 

Inclui atividades físicas, melhorar a qualidade do sono, mudar a alimentação (evitar café e  fumo), terapia cognitiva comportamental, terapias alternativas (yoga, meditação, acupuntura). En tretanto, o tratamento não farmacológico é de difícil adesão terapêutica uma vez que os pacientes  buscam alívio imediato dos sintomas ansiosos. 

Farmacológico 

Benzodiazepínicos: clonazepam, alprazolam. Tem seu uso evitado devido aos efeitos colate rais e risco de dependência. 

Inibidores seletivos de recaptação de Serotonina: sertralina, paroxetina, citalopram. Os efei tos colaterais mais comuns incluem agitação, insônia, ansiedade, mania e agitação. 

Inibidores seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina: Venlafaxina. É utilizado  caso os inibidores seletivos de recaptação de serotonina não tenham efeitos. Os efeitos colaterais  mais frequentemente relatados foram náuseas, insônia, boca seca, sonolência, vertigem e astenia. 

Antidepressivos tricíclicos: clomipramina, nortriptilina, amitriptilina. É recomendado em ca sos refratários. Os efeitos colaterais mais recorrentes são boca seca, visão turva, retenção urinária,  taquicardia, sedação, dificuldade da memória, até exantemas e urticária.  

O TRATAMENTO COM CANNABIS 

Vários estudos sustentam que o sistema endocanabinóide possui importante papel na fun ção cerebral, principalmente na modulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, regulação do hu mor, ansiedade e recompensa, além da extinção do medo condicionado. Assim, o sistema endoca nabinóide e seu efeito no humor e na ansiedade nos oferece novos alvos para o desenvolvimento  

de terapias alternativas nos transtornos psiquiátricos.  

Os receptores CB1 estão localizados principalmente no cérebro e está relacionado com a  modulação e liberação de neurotransmissores em um mecanismo que evita o excesso de atividade  neural (assim, com efeito calmante e diminuindo a ansiedade), além de reduzir a dor e inflamação, regular o movimento de postura, percepção sensorial, memória e função cognitiva. A anandamida  liga-se a esses receptores através do sistema de acoplamento de proteína G. O CBD tem efeito  indireto sobre os mesmo receptores, parando a lise de anadamida, permitindo que a mesma per maneça no sistema por mais tempo e forneça benefícios médicos. Já nos receptores CB2, o CBD  tem efeito moderado. Como esses receptores estão localizados na periferia de tecido linfáticos, o  CBD ajuda a mediar a liberação de citocinas das células imunológicas, ajudando a reduzir a infla mação e a dor. 

Outros mecanismos de ação do CBD incluem a estimulação de receptores de adenosina que  atuam um papel significativo na função cardiovascular e causar um amplo efeito antiinflamató rio e anti-ansiedade. Em altas concentrações, o CBD ativa diretamente o receptor de serotonina  5-HT1A, causando um efeito antidepressivo.  

Além disso, as propriedades ansiolíticas do CBD explicam a atenuação da ansiedade associa da ao início dos tiques e a melhora nos tiques com uma combinação de Δ9-THC e CBD 

Estudos em animais 

Os estudos pré-clínicos que investigam o efeito ansiolítico do CBD foram realizados utilizan do o labirinto em cruz elevada. Este teste é usado para investigar comportamento semelhante  ao da ansiedade na pré-clínica e baseia-se na aversão natural que roedores mostram em espaços  abertos. Diversos foram os estudos, como os realizados por Guimarães, em 1990 e 1994, sendo  um dos pioneiros no estudo ansiolítico do CBD em animais. Logo em seguida, Campos e Gomes  continuaram as pesquisas e todas comprovaram os efeitos ansiolíticos em modelo murino. Vale  destacar que todas essas pesquisas foram realizadas no Brasil. Uribe- Mariño e Twardowschy tam 

bém analisaram o efeito anti-pânico em ratos expostos a cobras. Almeida, também no Brasil, tes tou a interação social dos ratos e comprovou que o CBD teve melhoras na interação, mas apenas  nos ratos Winstar. Já Tood e Arnold, em um estudo feito em campo aberto, mostrou que o CBD  preveniu o efeito ansiogênico do THC.  

Estudos em humanos 

Scott Shannon fez um relato de caso de uma menina de 11 anos que sofria de estresse  pós-traumático devido a abusos sexuais. Seus principais sintomas psiquiátricos eram ansiedade,  insônia, explosões na escola, ideação suicida e comportamentos auto destrutivos. A força deste  caso particular é que a paciente não estava recebendo medicamentos farmacêuticos (exceto di 

fenidramina não prescrita), mas apenas suplementos nutricionais e o óleo de CBD para controlar  seus sintomas. Um ensaio de suplementos de CBD (25 mg) foi então iniciado na hora de dormir,  e 6 mg a 12 mg de spray sublingual de CBD foi administrado durante o dia conforme necessário  para ansiedade. Um aumento gradual na qualidade do sono e quantidade e diminuição em sua  ansiedade foram anotados. Após 5 meses, o paciente estava dormindo em seu próprio quarto na maioria das noites e lidava com o novo ano escolar sem dificuldades. Nenhum efeito colateral foi  observado de tomar o óleo CBD.  

Scott e sua equipe também fizeram uma grande série de casos retrospectivos em uma clíni ca psiquiátrica envolvendo a aplicação clínica de CBD para ansiedade e queixas de sono como um  complemento ao tratamento usual. A revisão retrospectiva do prontuário incluiu documentação  mensal de ansiedade e qualidade do sono em 103 pacientes adultos. Quase todos os pacientes  receberam CBD 25 mg / d em forma de cápsula. Se as queixas de ansiedade predominavam, a  dosagem era todas as manhãs, após o café da manhã. Se as queixas de sono predominavam, a do sagem era todas as noites, após o jantar. Um punhado de pacientes recebeu 50 mg / d ou 75 mg /  d de CBD. Um paciente com história de trauma e transtorno esquizoafetivo recebeu uma dosagem  de CBD que foi gradualmente aumentada para 175 mg / d. A amostra final consistiu de 72 adultos  apresentando preocupações primárias de ansiedade (n = 47) ou sono insatisfatório (n = 25). Os  escores de ansiedade diminuíram no primeiro mês em 57 pacientes (79,2%) e permaneceram di minuídos durante a duração do estudo. Os escores do sono melhoraram no primeiro mês em 48  pacientes (66,7%), mas flutuaram ao longo do tempo. Nesta revisão de prontuários, o CBD foi bem  tolerado em todos, exceto em 3 pacientes. 

Mateus M Bergamaschi e sua equipe realizaram um ensaio clínico randomizado e controlado  que relatou resultado de um teste simulado de falar em público entre 12 participantes saudáveis  e 24 pacientes com fobia social que receberam uma dose única de 600 mg de CBD ou um placebo  antes do teste. Este estudo relatou que o pré-tratamento com CBD resultou em menos ansiedade, prejuízo cognitivo e desconforto durante o desempenho da fala. Também resultou em uma  redução significativa no estado de alerta em sua fala antecipatória em comparação com o grupo  de placebo. 

Julia Moltke criou uma pesquisa online de 20 perguntas que foram enviadas para 387 usu ários atuais ou anteriores de CBD. A pesquisa foi enviada aos usuários do CBD por meio de ban cos de dados de e-mail e redes sociais. Os participantes relataram dados demográficos básicos,  padrões de uso do CBD, razões para o uso e efeitos sobre a ansiedade, sono e estresse. Os 4  principais motivos para usar o CBD foram ansiedade autopercebida (42,6%), problemas de sono  (42,5%), estresse (37%) e saúde geral e bem-estar (37%). Cinquenta e quatro por cento relataram  usar menos de 50 mg de CBD diariamente e 72,6% usaram CBD por via sublingual. Modelos logís ticos ajustados mostram que as mulheres tinham chances menores do que os homens de usar CBD  para saúde geral e bem-estar e dor muscular pós-treino, mas tinham maior chances de usar CBD  para ansiedade autopercebida e insônia. Indivíduos mais velhos tinham menor chance de usar  CBD para saúde geral e bem-estar, estresse, músculos doloridos pós-treino, ansiedade, problemas  de pele, concentração e sono, mas tinham maior chance de usar CBD para dor. Os entrevistados  relataram que o uso de CBD foi eficaz para o estresse, problemas de sono e ansiedade naqueles  que usaram a droga para essas condições. 

Alguns estudos mais antigos também foram importantes e é interessante serem citados. 

Zuardi, em 1982, testou 70 mg de CBD via oral em sujeitos saudáveis que tiveram ansiedade in duzida por THC. Ele provou que o CBD preveniu o efeito ansiogênico do THC. Em 1982 e 1983,  testou o CBD em pacientes saudáveis com estimulação de ansiedade social, e mostrou que o CBD  preveniu essa indução. Crippa, em 2004 e 2011, mostrou que o CBD teve efeitos ansiolíticos em  sujeitos saudáveis e aqueles com transtorno de ansiedade generalizada. 

CONCLUSÃO 

Os efeitos ansiolíticos do CBD foram amplamente estudados e demonstrados em pesquisas  com animais e humanos. Esses efeitos ansiolíticos estão associados a uma ação do CBD no siste ma límbico e áreas cerebrais paralímbicas, onde possivelmente age como agonista de receptores  5-HTA1 e bloqueando a recaptação e metabolismo da anandamida, facilitando a neurotransmissão  mediada pelos endocanabinóides. A administração oral de CBD atenua os efeitos ansiolíticos inclu sive do THC e não parece envolver quais interações farmacocinéticas.

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